Por Adiel Teófilo.
As igrejas evangélicas se
utilizam durante as suas celebrações, com bastante frequência, da apresentação
de inúmeras composições musicais. Essas apresentações acontecem no interior dos
templos em reuniões públicas, bem como muitas vezes são transmitidas por
radiodifusão, televisão ou em redes sociais pela internet.
Diante disso, surge o
questionamento se organizações religiosas
estariam obrigadas ou não ao pagamento de direitos autorais por execução
pública de obras musicais. A dúvida ainda persiste, mesmo diante do fato de que
as apresentações musicais ocorrem mediante a participação dos próprios
membros da igreja, os quais atuam em grande parte como cantores de forma não
remunerada.
Considerações legais sobre os direitos do autor de obra intelectual
Os direitos do autor e os que lhes são conexos
estão previstos na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. São protegidas por
essa Lei as obras intelectuais expressas por qualquer meio ou fixadas em
qualquer suporte, dentre elas as composições musicais que tenham ou não letra.
Ao autor intelectual pertencem os direitos
morais e patrimoniais sobre a obra que ele criou. Dentre os direitos morais, os
quais são inalienáveis e irrenunciáveis, está o de ter o seu nome, pseudônimo
ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na
utilização de sua obra.
No rol dos direitos patrimoniais consta que
depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por
quaisquer modalidades, tais como a reprodução parcial ou integral;
a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras
transformações; a inclusão em fonograma ou produção
audiovisual; a utilização, direta ou indireta, da obra
artística mediante execução musical, a
exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado.
Os direitos
patrimoniais do autor de obra intelectual perduram por setenta anos contados de
primeiro de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento. Após o decurso
desse prazo de proteção a obra passa a pertencer ao domínio público, bem assim
as obras de autores falecidos que não tenham deixado sucessores, e aquelas obras
cujo autor seja desconhecido.
A par dessas considerações sobre os direitos
autorais, cabe tecer alguns comentários acerca do que a Lei denomina de Comunicação ao Público.
Estabelece que não poderão ser utilizadas composições musicais ou
litero-musicais ou fonogramas, em execuções públicas, sem a prévia e
expressa autorização do autor ou titular do direito autoral.
A própria Lei define como execução pública
a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante
a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e
obras audiovisuais, em locais de frequência coletiva, por quaisquer
processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, incluída
nesse último caso a transmissão por rede mundial de computadores mediante as
plataformas e redes sociais disponíveis.
Nesse sentido, o art. 68, § 3º, da Lei em apreço, assim dispõe:
§ 3º Consideram-se locais de frequência
coletiva onde se representem, executem ou transmitam obras literárias,
artísticas ou científicas, como teatros, cinemas, salões de baile ou concertos,
boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas,
estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras,
restaurantes, motéis, clínicas, hospitais, órgãos da administração pública
direta, autárquica e fundacional, empresas estatais, meios de transporte de
passageiro terrestre e aéreo, espaços públicos e comuns de meios de hospedagens
e de meios de transporte de passageiros marítimo e fluvial. (sem grifo no
original)
Observe que esse dispositivo
legal elenca quais são os ambientes considerados como locais de frequência
coletiva, onde poderá ocorrer o que se chama execução pública, e,
consequentemente, exigir-se a prévia
e expressa autorização do autor ou titular do direito autoral. Compreende-se nessa autorização o pagamento
relativo aos direitos autorais, cujo comprovante, via de regra, deverá ser
apresentado ao escritório central de arrecadação – ECAD, previamente à
realização da execução pública.
Proposições legislativas sobre
direitos autorais
Importante acrescentar que a
Medida Provisória nº 907, de 26 de novembro de 2019, deu nova redação ao
dispositivo legal acima transcrito. O texto foi publicado no Diário Oficial da
União de 27.11.2019, republicado em 28.11.2019, retificado em 16.1.2020 e
retificado em 17.1.2020.
Essa Medida Provisória incluiu o
§ 9º ao art. 68 da Lei dos Direitos Autorais. A finalidade dessa inclusão foi a
de extinguir a cobrança de taxa do ECAD em relação aos quartos de meios de
hospedagem, no caso de hotéis e pousadas, bem como quanto às cabines de
embarcações aquaviárias, para uso exclusivo de hóspedes.
Desse modo, definiu que não
incidirá a arrecadação e a distribuição de direitos autorais, quanto a execução
de obras literárias, artísticas ou científicas no interior das unidades
habitacionais dos meios de hospedagem e de cabines de meios de transporte de
passageiros marítimo e fluvial. Essa matéria era objeto do Projeto de Lei
do Senado nº 206, de 2012, cuja proposta foi arquivada em 18 de dezembro de
2019.
Tramitava
também naquela Casa o Projeto de Lei do Senado nº 100, de 2011, visando alterar
a Lei de Direitos Autorais, para isentar da arrecadação
de direitos autorais a execução, por qualquer meio, de obras musicais ou
lítero-musicais no âmbito de cultos, cerimônias ou eventos realizados por
organizações religiosas, sem objetivo de lucro. Essa proposição
legislativa infelizmente foi arquivada em 21 de dezembro de 2018.
Condição diferenciada das organizações religiosas
As
organizações religiosas são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos. A sua criação, organização, estruturação interna e funcionamento
são livres, conforme disposto no § 1º do Art. 44, do Código Civil.
No tocante à Lei de Direitos
Autorais, constata-se que no rol do § 3º do art. 68, transcrito acima, não
estão expressamente incluídos os templos religiosos. De fato, as igrejas
não estão mencionadas como locais considerados de frequência coletiva, onde
ocorreriam as execuções públicas sujeitas à autorização prévia e expressa do
autor, bem como ao pagamento relativo aos direitos autorais.
Não obstante, após a edição da
Lei de Direitos Autorais – Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que
alterou, atualizou e consolidou a legislação sobre direitos autorais, surgiram
posicionamentos divergentes quanto à obrigatoriedade do pagamento dos direitos
autorais pela execução pública de obras musicais nos cultos religiosos.
Prova disso é que na Justificação
do Projeto de Lei do
Senado nº 100, de 2011, foram delineados os seguintes argumentos fáticos e
jurídicos:
Nos termos da Lei nº 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998, para qualquer representação ou exibição pública de obras
teatrais, musicais ou lítero-musicais, há a necessidade de autorização do autor
ou titular de direito patrimonial do autor, com o respectivo pagamento ao
Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), independentemente de
haver objetivo de lucro.
Essa norma, especialmente se considerarmos a
existência de associações desprovidas de fins econômicos, como as de cunho
religioso, protege excessivamente o autor ou titular de tais obras, em
detrimento do interesse geral da coletividade, criando obstáculos à difusão da
cultura e, particularmente, da manifestação religiosa.
Conquanto a jurisprudência venha se
inclinando para a tese de inexigibilidade de cobrança de valores quando o
evento seja organizado por entidades religiosas, o Ecad, invariavelmente,
realiza a cobrança, conduzindo a discussão para a esfera judicial, em nítido
prejuízo para os interessados. Para pacificar a controvérsia que ainda hoje
paira sobre a matéria, alvitramos isentar do recolhimento de direitos autorais
a execução de obras musicais ou lítero-musicais em cultos, cerimônias e eventos
organizados por entidades religiosas em que não haja intuito de lucro, direto
ou indireto.
Nas palavras de Carlos Alberto Bittar, “há o
incontestável interesse coletivo na difusão de obras intelectuais; existe a
necessidade de acesso de diferentes camadas populacionais [...] aos textos e
obras públicas; e impõese a expansão da cultura como esteio do desenvolvimento
geral da nação. [...] Por essa razão é que certos interesses de caráter público
têm imposto balizas aos direitos autorais ao longo dos tempos, em todos os
países, as quais se refletem no direito positivo, por meio de formulação de
regras de exceção, que vêm a mitigar o caráter absoluto da exclusividade
conferida ao autor”.
[...]
Em suma, entendemos que, desde que a
representação ou execução pública da obra se dê no âmbito de evento destinado à
manifestação religiosa e sem finalidade lucrativa, não há por que sujeitá-la à
prévia autorização e, especialmente, à arrecadação de valores por parte do
Ecad, tendo em vista que os responsáveis não auferirão nenhuma vantagem
pecuniária e, portanto, não tirarão proveito econômico algum das obras
utilizadas, não havendo, pois, ofensa aos direitos patrimoniais do autor.
Por
outro lado, a Exposição de Motivos nº 00024/2019, de 18 de novembro de 2019, subscrita
pelos Ministros da Economia, do Turismo, e da Infraestrutura, que referenda a
Medida Provisória nº 907, ao tratar da inserção do § 9º ao art. 68, da Lei de
Direitos Autorais, conforme comentado acima, apresentou as seguintes
considerações:
[...]
9.
Ressalta-se que o Ecad arrecada direitos não só de rádio, TV e shows, mas
também de bares, academias, clínicas médicas, hospitais, carros de som,
terminais de transporte, restaurantes, meios de hospedagem, e até mesmo festas
de casamento, festas juninas, quermesses, bem como vídeos e áudios em formatos
MP3, MP4 ou assemelhados que transitam no âmbito da internet. Ficam isentas das custas de pagamentos das
taxas do Ecad, os eventos particulares em propriedade privada, que não haja
cobrança de ingresso, cultos religiosos em geral e eventos com fins
educacionais. (grifamos)
É de se
ver que a aludida Exposição de Motivos estriba-se no entendimento de que os
cultos religiosos não são abrangidos pelo rol do § 3º do art. 68, da Lei dos
Direitos Autorais. Nessa linha de compreensão, as igrejas não estão incluídas
nos locais considerados como de frequência coletiva, para fins de execuções
públicas de obras musicais sujeitas à autorização prévia e expressa do autor,
bem como não estariam sujeitas ao pagamento de direitos autorais.
Diante dessas proposições e o
mais que na doutrina consta, pode-se afirmar que o entendimento majoritário
inclina-se no sentido de excluir as exposições públicas de obras musicais, no
decorrer de cultos religiosos, da obrigatoriedade do pagamento relativo aos
direitos autorais dessas obras.
No entanto, convém ressaltar que
podem surgir demandas e até mesmo decisões judiciais favoráveis à cobrança do
referido pagamento, enquanto não se consolidar o entendimento de que o rol do §
3º do art. 68, da Lei de Direitos Autorais, é taxativo. Isso é, que esse
dispositivo elenca expressamente todos os espaços considerados locais de frequência coletiva para os fins que a Lei
especifica, não podendo ser interpretado exemplificativamente para abranger os cultos
religiosos.
Outra
possibilidade é a edição de norma legal alterando a Lei de Direitos Autorais, para
excluir expressamente da obrigação do pagamento de direitos autorais, os
cultos, cerimônias e eventos promovidos pelas organizações religiosas em que
não haja intenção de lucro na execução pública de obras musicais. Isso afastará
em definitivo qualquer controvérsia acerca da matéria em pauta.
Aplicações práticas para as organizações religiosas
A par dessas considerações e
tomando por base o episódio de que o canal de uma igreja evangélica foi
bloqueado no You Tube, por suposta violação de direito do autor de obra
musical, convém apresentar algumas orientações que podem ser aplicadas no
âmbito das organizações Religiosas.
O referido bloqueio ocorreu
mediante notificação de violação de direitos autorais, promovida por usuário na
própria plataforma de compartilhamento de vídeos. Na Central de Ajuda da
plataforma estão disponíveis diversas informações sobre a reivindicação e
avisos de direitos autorais, inclusive quanto ao procedimento para resolução do
aviso de direitos autorais. Através desse canal de comunicação, o fato acima
referido foi solucionado oportunamente, com os devidos esclarecimentos.
Segue o link da Central de
Ajuda:
Muito embora seja predominante o entendimento
de que as exposições públicas de obras musicais durante os cultos religiosos
não estejam sujeitas ao pagamento de direitos autorais, os usuários podem
adotar providências durante a utilização das redes sociais que concorram para evitar
eventual notificação e bloqueio por suposta violação de direito autoral. Dentre
essas providências, podem ser elencadas as seguintes:
a) durante toda a transmissão ao vivo ou
gravação dos cultos, exibir o logotipo da denominação, bem como constar a
legenda informando que se trata de culto religioso, mencionando expressamente a
denominação, visando assim identificar a natureza do conteúdo do vídeo a ser
exibido nos aplicativos e redes sociais;
b) ao iniciar o louvor, inserir se possível
legenda constando o nome do autor da letra e da melodia de cada obra musical que
fará parte do vídeo, a fim de atender o direito moral do autor de ter o seu nome ou pseudônimo indicado
ou anunciado durante a utilização de sua obra musical; e,
c) sendo
necessário eventualmente exercer a defesa da Igreja no sentido de que não incorreu
em violação de direito patrimonial do autor de obra musical, expor como
fundamentos as considerações jurídicas apresentadas neste artigo, especialmente
o entendimento predominante de que os templos religiosos não se sujeitam ao
pagamento relativo aos direitos autorais, por não constar expressamente do rol
previsto no § 3º do art. 68 da Lei de Direitos Autorais, que relaciona os
ambientes considerados locais de frequência coletiva, onde poderá ocorrer a
exibição pública sujeita à prévia e expressa autorização do autor ou titular de
direito autoral.
Conclui-se, portanto, que não é pacífico
o entendimento de que as igrejas estejam obrigadas ao pagamento de direitos
autorais por exibição musical durante os cultos. Entretanto, o entendimento
majoritário inclina-se no sentido de isentar as entidades religiosas da obrigação
desse pagamento, pelo fato de não auferir lucro a partir da apresentação de
composições musicais. Observa-se que na prática o escritório responsável pela
arrecadação do pagamento de direitos autorais não tem promovido a cobrança em face das
organizações religiosas, por exposição pública de obras musicais durante as celebrações, certamente por entender as peculiaridades dos cultos religiosos.